ninguém é mais que a espera
num porto de partida
ninguém é mais que o anzol
entre o peixe e a isca
no lamarão que bordeja
entre o gôzo e o ataúde
ninguém é mais que uma vida
entre a gávea e a quilha
entre o leme e o timão
ninguém é mais que uma ilha
somos destroços de antigos naufrágios.
Vagas aglomeram-nos nestas regiões abissais onde soldam-se aos mecânicos os orgânicos em ensaios híbridos terríficos. Usinas metamórficas do abismo
duas bolhas já se consideram espuma
essa é a concha partida
que preserva a lembrança de quando não me contive
esta areia que arremeda húmida uma antiga concisão constrói desconstruindo
a morada que hoje me abriga
libertar-me foi perder-me
fere-me os pés essa praia de conchas quebradas
livre de traduções alheias não há nácar que me reflita e vivo no opalescer de nada me constatar existindo
sem contenções espráio-me indefinido
sou um eterno regorgitar de bolhas na espuma
minha história contei ferindo a areia
nada sobrevive à contingência das marés
sobre os abismos passa a barca em suas flutuações
aríete de desbravar portais aquosos
esta é a minha barca
este é o timão partido que já não a conduz
a quilha hoje cega e rombuda não corta as águas
o leme gira sobre si mesmo
minha barca de tanto mar criou uma cauda de peixe
não mais afunda o que não quer flutuar
o mascarão já não aponta mas delira
não há distinção entre céu e mar
as estrelas só brilham por brilhar
meu sextante é peso para papéis
que querem fugir com o vento

Nenhum comentário:
Postar um comentário